(CRÔNICA) A PONTE...
Prof. Joceny Possas Cascaes.
Próximos às margens opostas de um largo e revolto rio, vivem dois povos indígenas. Caçam, pescam em locais onde o rio é calmo, e coletam – cada qual em sua margem. Ambos os povos, que vivem naquela região há décadas, mantêm modesta aproximação. Por ocasião da ‘festa da paz’, que é realizada em datas diferentes por cada um dos povos, alguns membros das tribos se encontram para realizar uma grande comemoração. Para os indígenas da margem esquerda tal confraternização acontece no mês de janeiro e para os da margem direita em julho. Então, os representantes dos referidos povos, encontram-se, no entardecer sem se preocuparem com a hora final do ritual, duas vezes ao ano.
Acontece que a travessia do rio é sempre extenuante. Primeiro: os indígenas precisam caminhar alguns quilômetros para chegar ao local onde é mais conveniente atravessar o grande rio; segundo: o rio, além de possuir vasta largura, tem em seu leito enormes pedras e uma forte corredeira. Então, por possuírem frágeis canoas, aproveitam a ocasião para aperfeiçoar a coragem de seus índios mais velhos e para testar a dos mais jovens. Não importa serem mulheres ou homens, basta, durante o ano que precede a travessia para o evento-festivo, ter aprendido e/ou aperfeiçoado as técnicas da coragem.
Os novatos que se acham em condições e que desejam acompanhar os demais membros da tribo recebem autorização do “grande-chefe” e do pajé para fazerem parte da aventura-visita. A transposição do rio é sempre perigosa, pois, além do risco da própria travessia, as chuvas se tornam sempre uma incógnita. Atravessar as águas agitadas e passar para o lado da tribo que aguarda para a ‘festa da paz’ acontece enquanto ainda é dia. Isso abranda, um pouco, a chegada ao outro lado do rio. Contudo, o retorno se torna mais temeroso. A cerimônia da paz sempre adentra a madrugada, então, os índios voltam hiper-cansados. Nesse estágio, os acidentes são quase inevitáveis.
Algumas ocasiões são marcadas com acidentes fatais. Quando isso acontece, os índios voltam para a tribo pensando que estão sendo castigados por seus deuses, por desafiarem, àquelas horas da noite, a mãe natureza. Pensam, há alguns anos, em fazer algo para que esses sinistros deixem de acontecer. Há um desejo entre os povos das margens opostas do rio de manterem os seus encontros destinados à paz. Entendem que isso também os enriquece culturalmente (trocas de idéias) e que são momentos, espelhados na visão da tribo co-irmã, de reforçarem seus próprios pensamentos sobre a paz.
As idéias fervilham na cabeça dos índios das tribos opostas. O que fazer? Resolveram, então, marcar uma grande reunião entre os líderes das tribos. E, visitando o local que chamam de “garganta da cachoeira” resolveram construir uma ponte. Aquele era o local ideal para realizarem a obra que mudaria o destino das duas tribos. Com cordas grossas feitas de cipó e enormes tábuas, começaram a construção da pretendida ponte. Penosamente, meses se passaram até que a ponte com quarenta metros de altura e com duzentos metros de comprimento se tornasse uma realidade. A obra se tornou uma maravilha artesanal. Ao invés de deixarem de se encontrar, os indígenas se uniram numa grande tarefa e construíram um elo, que se tornou abençoado, de ligação entre eles.
Porquanto, pontes são encontros de caminhos; são junções das intersecções. As pontes permitem que o novo conheça e aprenda com o velho e vice-versa. Além, as pontes trazem e levam o progresso e permitem que o conhecimento seja mais fértil. Com pontes, as trocas, em seus diversos níveis, passam a ser co-idealizadas. Muros isolam (o rio caudaloso afastava os dois povos); pontes aproximam. Na vida, cada ser-gente é uma ponte em potencial. Isoladamente, alguns pontos da estrutura, que pretende ser humana, se encontram deteriorados pelo tempo; outros se apresentam um pouco mais rijos. Porém, nenhuma ponte-pessoa está – totalmente - bem acabada. É, de certa forma, natural que umas se encontram mais fortes (pontes mais humanas) do que outras.
Por isso, talvez seja conveniente que, nessa breve vivência terrena, cada pessoa tenha a obrigação de ser um esteio na ponte d’outro. Assim, as manutenções das pontes-próprias estarão, quem sabe, melhor garantidas. Como as duas tribos que, a partir de agora, poderão diariamente, se assim desejarem (não mais, apenas, anualmente), reforçar as suas trocas de experiências. Pois, pontes são desejos, que podem se tornar concretudes, de múltiplas realizações...
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
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